Este texto
começou quando abri o site do Linkedin e entrei em um dos grupos de que
participo, tendo encontrado a seguinte proposta para discussão: O que é Ética? Sabe-se que é
"bonito", mas é MESMO importante, do ponto de vista da Empresa
Brasileira, na relação B2B, ter um fornecedor Ético? Como mensurar esse ganho?
A proposta do tema foi do Oswaldo
Ogihara, Diretor Executivo at Ceppe - Centro Paulista de
Psicologia e Educação e teve uma repercussão imensa, totalizando 79 comentários.
Pensei em
escrever um breve comentário para participar da discussão, mas não consegui e
acabei por decidir criar o presente texto, permitindo aos muitos amigos outra
forma de reflexão a partir a primeira propositura. Trago na minha história de vida
várias experiências que me ajudam a compreender os momentos pelos quais
passamos, ou somos obrigados a passar. Participo do frenesi do mercado e estou ligado à Teologia, Filosofia e ao Direito,
nessa última área de interesse, conclui meu bacharelado em dezembro de 2011.
É preciso fazer
uma modificação na forma usual de entendimento da palavra ética para melhor
compreensão das questões levantadas e das que pretendo abordar. A primeira é
que ética é um processo cognitivo, portanto, empresas não possuem ética pois
são uma abstração jurídica. A ética está presente nos agentes da pessoa
jurídica, particularmente e especialmente em seus dirigentes e acionistas. A
segunda questão está relacionada aos atos praticados pelos agentes, que, ao se
materializarem ou se efetivarem, deixam de pertencer ao plano ético, ou seja,
do pensar, do avaliar, da compreensão cognitiva, para adentrar o plano da
moral. A exemplo disso, podemos tomar a elaboração de um manual de conduta, que
é um processo ético enquanto está em elaboração, tornando-se um código de
conduta moral quando de sua validação e aplicação. Pode-se dizer que a ética é
um filtro da conduta humana por onde passam todos os questionamentos que
determinarão uma ação.
De forma muito
resumida abordarei a história da ética no que é fundamental para o momento.
Platão foi o primeiro a sistematizar a ética na forma de ciência da conduta, onde o bem
representava o desejo existencial humano. Platão definiu duas concepções
fundamentais dessa ciência: A) a primeira que a considera como ciência do fim a que a conduta dos
homens se deve dirigir e dos meios para
atingir tal fim; e deduz tanto o fim quanto os meios da natureza do homem; B) a segunda a que a
considera como a ciência do móvel ou da motivação da conduta humana e procura
determinar tal móvel com vistas a dirigir ou disciplinar a mesma conduta.
Quando, na filosofia contemporânea, a noção de valor começou
a substituir a de bem, a antiga
alternativa entre ética do fim e ética da motivação assumiu nova forma. As doutrinas
que reconhecem a necessidade do valor,
ou seja, sua absolutividade, sua eternidade, etc, têm estreito
parentesco com as doutrinas éticas
tradicionais do fim, ao passo que as doutrinas que reconhecem a problematicidade
do valor são estreitamente aparentadas
com as doutrinas éticas da motivação.
A segunda concepção fundamental da ética é a que se
configura como uma doutrina do móvel da conduta. A característica dessa
concepção é que nela o bem ou o valor não é definido com base na sua
realidade ou perfeição, mas só como objeto
da vontade humana ou das regras que a dirigem. Assim, enquanto na primeira concepção
as normas derivam do ideal que se assume como próprio do homem (a perfeição da
vida racional, segundo Aristóteles; o Estado, segundo Hegel; a sociedade
fechada ou aberta, segundo Bergson, etc); na segunda concepção procura-se em
primeiro lugar determinar o móvel ao
homem, ou seja, as normas que ele de fato obedece; portanto,
define-se como bem aquilo a que se tende em virtude
desse móvel, ou aquilo que se conforma à norma em que ele se exprime.
De acordo com Nicola Abbagnano o princípio da ética de
Epicuro tem o mesmo significado de reconhecimento daquilo que, de fato, é o
móvel da conduta humana: "Prazer e dor são as duas afeições que se encontram
em todo animal, uma favorável e outra contrária, através das quais se julga o
que se deve escolher e o que se deve evitar" (DIÓG. L, X, 34). Essa
concepção de ética esteve ausente durante toda a Idade Média e só é retomada no
Renascimento. Lorenzo Valia foi o primeiro a reapresentá-la em De voluptate,
afirmando que o prazer é o único fim da atividade humana e que a virtude
consiste em escolher o prazer (De vol, II, 40). Telésio reapresenta a
outra alternativa tradicional da mesma concepção (De rer. nat, IX, 2),
extraindo as normas da ética do desejo de conservação que existe em cada ser.
Com rigor e sistematização, Hobbes via nesse mesmo princípio o fundamento da moral
e do direito: "O principal dos bens é a autoconservação. Com efeito, a
natureza proveu a que todos desejem o próprio bem, mas para que possam ser
capazes disso é necessário que desejem a vida, a saúde e a maior segurança possível
dessas coisas para o futuro.
O Liberalismo Inglês está fundado no modelo ético do móvel,
do desejo, da autoconservação, da norma da vontade humana, dessa forma a
estrutura econômica, social e jurídica predominante no mundo global é o modelo
ético fundante do liberalismo. As características básicas são: o
individualismo, a competitividade, a produtividade, a autoproteção do que se
entende por valor e o imediatismo.
Desta forma, precisa-se conhecer o que os acionistas e
dirigentes corporativos entendem por valores e o que esperam do desempenho e
resultados das respectivas empresas para que a equipe de trabalho possa se
preparar, tanto no planejamento quanto nas ações, cientes que as metas precisam
ser atingidas e a produtividade melhorada dia a dia. Essas premissas garantem a
empregabilidade, a renda familiar dos trabalhadores e funcionam como motores
que impulsionam a economia.
Para quebrar o academicismo, cito uma máxima de Nelson
Rodrigues: “― Há homens que, por dinheiro, são capazes até de uma boa ação”.
No mês de dezembro de 2010, as montadoras de automóveis, de
forma geral, faturaram a quantidade de carros correspondentes às coberturas de
suas cotas contra as concessionárias (informação Valor Econômico), dessa forma,
apresentaram o pleno cumprimento de metas aos controladores. É uma estratégia
moralmente aceitável, derivada de uma reflexão ética que determinou ser melhor
usar do referido expediente a tentar justificar o insucesso.
Como exemplo de outros mercados, o de Telecom possui
inúmeras falhas de sistemas de TI, especialmente com a integração dos mesmos.
Os custos não justificam os investimentos em prazos razoavelmente longos, tanto
que já se passou mais de uma década da privatização e as evoluções, nesse
sentido, não são muito relevantes. Que executivo sugeriria parar a captação de
clientes e estruturar os sistemas para o perfeito atendimento da demanda atual
com reserva tecnológica para um crescimento anual de x%. Levando os
consumidores a exaustão, as empresas assinam termos de ajuste conduta com a
ANATEL, tendo a anuência do Ministério Público e estabelecendo no orçamento
anual os custos judiciais.
O agronegócio está entre os mais complexos nas discussões
éticas e morais que extrapolam os mercados tendo inúmeras questões expostas
pelas mídias à sociedade em geral em razão dos ambientalistas e dos tratados
internacionais que o Brasil aderiu. Recentemente, acompanhamos as notícias do
terremoto no Japão e do grande tsunami que causou a maior catástrofe do gênero
no país. Cabe uma reflexão: o terremoto é natural, bem como o consequênte
tsunami. O que foi criado pelo ser humano foram as indústrias, os variados
tipos de comércio, o mercado imobiliário, as usinas nucleares e um enorme
conjunto de infra-instrutora. Se
fizermos um filtro filosófico podemos resumir que estranho ao ambiente são os valores
sócio-econômicos implementados na região após muita reflexão ética, resolvendo
um enorme problema de espaço territorial japonês e tendo funcionado como o
esperado durante muitos anos.
É real que as tecnologias que dotaram o ser humano de
conhecimento sobre fenômenos naturais são muito recentes se comparadas à civilização
japonesa, contudo, a instalação de usinas nucleares dispensa qualquer
necessidade de equipamentos especiais para a avaliação de riscos em solo
japonês, bastaria o conhecimento empírico para se deduzir que, em algum dia,
poderia haver uma intercorrência mais forte da natureza.
A verdade é que ninguém deseja o mal alheio, não existe a
intenção de causar tragédias como as que assistimos no Japão e na Região
Serrana do Estado do Rio de Janeiro e em Minas Gerais, no Município de Mariana.
Não creio que haja uma premeditação, por exemplo, em fabricar um veículo
automotor cujo bagageiro decepa o dedo de seus clientes e usuários, ou mesmo,
construir um prédio luxuoso que desabe meses depois de concluído e ocupado. De
modo geral, os mercados não pensam o mal, em verdade, tal premeditação pode ser
vista nos chamados grupos terroristas. Esclareço que não estou fazendo
referência a motivações que visem destruir concorrências, ou que mobilizem
forças militares para invasão de territórios cujas riquezas naturais sejam de
extremo valor. Não! Os mercados não premeditam o mal.
Cabe destacar as diferenças dialéticas entre o bem e o bom. Se os mercados não premeditam o mal, então deveriam premeditar o bem. Só que o bem não
está em acordo com a ética dos movimentos, das normas da vontade humana, que é
o pilar do liberalismo econômico. Por isso, os
mercados só se preocupam com o bom:
o bom investimento, o bom resultado, o bom desempenho, o bom salário, ainda que
pelo caminho, indigentemente, possam gerar o mal. O bem é piegas, é
confundido com caridade, com religião, já o bom
é a autoafirmação de todos os valores cartesianamente catalogados como
desejáveis.
Encontrei um mestre que foi meu docente no primeiro período
do Curso de Direito e ficou feliz ao saber que estava cursando o nono período.
Falou-me o seguinte: Tempus Fugit, Carpe
Diem. Segundo Rubem Alves, Tempus
Fugit quer dizer "o tempo foge". A vida é breve. (http://www.rubemalves.com.br/tempusfugit.htm acessado em 18/03/11) e Carpe Diem quer dizer "colha o
dia". Colha o dia como se fosse um fruto maduro que amanhã estará podre. A
vida não pode ser economizada para amanhã. Acontece sempre no presente. (http://www.rubemalves.com.br/carpediem.htm acessado em 18/03/11).
Existe um aparente comprometimento, no texto acima, com a
ética do movimento, fundante do liberalismo econômico, mas é só aparente, pois
a vida, os valores que a compõem e dentre eles os grupos sociais, a economia,
os mercados, o planeta, não podem se esgotar em um dia ou em alguns séculos. O
tempo é um eterno fugitivo, por isso, a vida deve ser intensa e a intensidade
de viver advém de valores benéficos a sua continuidade, pois o dia seguinte
está por amadurecer e deverá ser vivido com a mesma intensidade de hoje. O
texto fala da ética dos valores, por isso os meios necessitam ter os mesmos
valores dos objetivos finais.
Zigmunt Bauman constrói a tese da
liquefação dos atuais valores da sociedade global em razão da obscuridade e
imprevisibilidade dos riscos ameaçadores da sociedade e dos mercados.
Reproduzimos um pequeno trecho de sua entrevista a Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke.
Entrevista
com Zigmunt Bauman por Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke*
Uma das características do que chamo de “modernidade sólida”
era que as maiores ameaças para a existência humana eram muito mais óbvias. Os
perigos eram reais, palpáveis, e não havia muito mistério sobre o que fazer
para neutralizá-los ou, ao menos, aliviá-los. Era óbvio, por exemplo, que
alimento, e só alimento, era o remédio para a fome.
Os riscos de hoje são de outra ordem, não se pode sentir ou
tocar muitos deles, apesar de estarmos todos expostos, em algum grau, a suas
conseqüências. Não podemos, por exemplo, cheirar, ouvir, ver ou tocar as
condições climáticas que gradativamente, mas sem trégua, estão se deteriorando.
O mesmo acontece com os níveis de radiação e de poluição, a diminuição das
matérias-primas e das fontes de energia não renováveis, e os processos de
globalização sem controle político ou ético, que solapam as bases de nossa
existência e sobrecarregam a vida dos indivíduos com um grau de incerteza e
ansiedade sem precedentes.
Diferentemente dos perigos antigos, os riscos que envolvem a
condição humana no mundo das dependências globais podem não só deixar de ser
notados, mas também deixar de ser minimizados mesmo quando notados. As ações
necessárias para exterminar ou limitar os riscos podem ser desviadas das
verdadeiras fontes do perigo e canalizadas para alvos errados. Quando a
complexidade da situação é descartada, fica fácil apontar para aquilo que está
mais à mão como causa das incertezas e das ansiedades modernas.
*Professora aposentada da Faculdade de Educação da USP e
pesquisadora associada do Center of Latin American Studies, Universidade de
Cambridge. É autora, entre outros, de Nísia Floresta, o Carapuceiro e outros
ensaios de tradução cultural (Hucitec, 1996) e As muitas faces da
história (Unesp, 2000), editado também em inglês, The new history:
confessions and conversations (Polity Press, 2002).
Não pode haver mudança significativa se a sociedade não
quebrar o paradigma ético preponderante. Vivemos em uma sociedade global em que
as interdependências se tornam cada vez mais necessárias e vitais. A
globalização torna peremptória a ética do movimento em favor da ética dos
valores que acolheu ao Período da Renascença e a economia capitalista sem
causar vítimas sociais, a despeito dos anos em que foi mantida cativa de sua
efetividade, aprisionada, desfigurada para manter a sociedade cativa de valores
vorazes e tiranos.
Ser ético não é ser honesto, caridoso, ou bom, ou moralmente
irrepreensível. Ser ético é pensar valores que não tragam comprometimento à
vida em todos os seus sentidos e que permitam uma justa interdependência
mundial. Ser ético é ter uma identidade individual que se faz coletiva pelo
conhecimento e ação de sua própria racionalidade sem nunca perder a memória do
conhecimento humano. Tempus Fugit, o
tempo fugiu para o presente e trouxe consigo tudo o que foi conhecido
anteriormente.
Notas: I. As citações filosóficas foram
compiladas e trabalhadas a partir do Dicionário de Filosofia por Nicola
Abbagnano. II. O texto original foi escrito em março de 2011, revisto e
atualizado em dezembro de 1015.
Wagner Winter