O tempo é um eterno fugitivo, por isso, a vida deve ser intensa e a intensidade de viver advém de valores benéficos a sua continuidade, pois o dia seguinte está por amadurecer e deverá ser vivido com a mesma intensidade de hoje. Tempus Fugit, Carpe Diem.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

SEM MEDO DE SER FELIZ



Foram três artigos teóricos que questionam a existência humana em face dos mercados e das sociedades, analisando os processos éticos formadores das diversas moralidades reguladoras da vida cotidiana. Ainda no campo da teoria, procurei mostrar alternativas e a real vocação da existência humana, a qual é a felicidade existencial, que se caracteriza pela essencialidade das coisas e valores que sustentam e complementam a própria vida.

Tenho uma rede de conexões muito diversificada quanto às atividades profissionais, bem como, a formação acadêmica. É razoável e fácil de compreender tal diversidade, se levarmos em conta que estou no LinkedIn desde o início de sua operação; logo, os interesses e motivações para a formação da rede foram se modificando ao longo dos anos. Como os amigos virtuais da rede apresentam tal característica, a tarefa de transformar as teorias em uma proposta prática é por demais desafiadora, o que gera entusiasmo e, ao mesmo tempo, muita responsabilidade.

Iniciamos com parte do Art. 5º da nossa Constituição, não sendo demasiado, registrar in verbis as partes que serão focadas.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;

Creio que, para quem leu os outros textos, já é perceptível que estou trabalhando com uma diversidade de áreas do conhecimento humano. O artigo 5º da Constituição Federal trata dos direitos e garantias fundamentais e, em seu capítulo primeiro, dos direitos e deveres individuais e coletivos. Creio que se os Constituintes Originários trouxeram a termo e positivaram os direitos e deveres individuais e coletivos,  direitos estes difusos, subjetivos, principiológicos e,  em tese, intrínsecos à natureza existencial humana, de certo que já havia um consensual convencimento de que tais princípios de direito, embora intrínsecos à natureza humana, dependiam de processos cognitivos éticos para o desenvolvimento moral. Esses princípios nem sempre encontram entes humanos em condições de pensar, seja por conflito de interesses ou irremediável metodologia ética, tornando-se, portanto, inteiramente divergentes.

Aqui cabe destacar a influência da cultura religiosa. Não me atrevo a dizer que todas as religiões não aceitam a igualdade entre homem e mulher, mas quase todas discriminam as mulheres fazendo-as seres humanos complementares aos homens. As principais religiões do mundo, os governos e o sacerdócio, aqui expressando genericamente os proclamadores das divindades, são exercidos por homens. As mulheres trabalham em obras ou meras atividades de natureza social. Outra consideração relevante é a concepção moral de certo e errado, que pode ser entendida como santidade e pecado, o apelo ao cumprimento da vontade dos deuses causa temor, insegurança e dependência da aprovação dos atos e pensamentos humanos das tradições eclesiásticas. Elencar os grandes conflitos não é difícil: a virgindade até o casamento, a fidelidade conjugal, o não reconhecimento da união estável, a questão do gênero, a liberdade sexual, jogos de sorte (chamo de sorte, contudo o normal é perder), bênçãos e maldições, ideologias de direita e de esquerda e outros.

As corporações e os mercados merecem atenção especial. A discriminação ao trabalho da mulher é notória mundialmente, inclusive quanto ao valor dos recebimentos pecuniários menores em relação aos rendimentos dos homens com as mesmas funções. Todavia, outro processo impositivo aos entes humanos é a doutrinação comportamental e o controle ético e moral sobre seu quadro funcional e respectivos familiares. Nesse processo impositivo, as corporações e os mercados levam em conta a aparência, a vida social e a futilidade e consumismo da família. Outra questão relevante é a idade dos executivos e a finalidade objetiva da empregabilidade. Jovens até a meia idade, cerca de 50 anos, formam a grande massa dos executivos. Acima dos 50 anos, sobrevivem os acionistas e poucos líderes de projeção e notoriedade na formação dos rebanhos de executivos. Elimina-se qualquer experiência de grandes executivos cuja faixa etária estiver acima de 50 anos.

Somam-se a influência religiosa e dos mercados, a influência do Estado. Não creio em Estados. Todos, sem exceção, estão contaminados pela doutrina teleológica, o que, segundo Aristóteles, é filosoficamente inalcançável plenamente. Porém, o Estado está comprometido consigo mesmo e com os seus partícipes ou burocratas que almejam o poder absoluto, ainda que se defina como Estado Democrático de Direito. É certo que países com força privada econômica blindaram os capitais, de forma que os Estados não conseguem dominar os capitais. Devemos considerar que a mundialização econômica, social, cultural e política, fundamentam a impossibilidade do domínio dos capitais pelos Estados. Contudo, é importante ter em mente que os Estados controlam o Direito e, consequentemente, pessoas, sociedades civis, sociedade empresariais e, quando laico, as sociedades religiosas, ainda que em aparente sistema de negociação.

Tenho absoluta certeza de que cada parágrafo renderia uma enciclopédia, sem o esgotamento do assunto. Eu mesmo não calculo a quantidade de livros, opúsculos e artigos que li para apresentar pequenos parágrafos aos meus amigos, com o intuito de proporcionar alguns momentos de reflexão. Mas, como disse Gonzaguinha em sua composição “Diga Lá, Coração”: “Diga lá, meu coração/ Que ela está dentro em peito e bem guardada/ E que é preciso/ Mais que nunca/ Prosseguir, Prosseguir”. (in Diga Lá, Coração www.vagalume.com.br)

E prosseguir significa o reconhecimento de que a moral das melhores práticas das mais importantes áreas do conhecimento humano não está permitindo a evolução e o desenvolvimento generalizado das sociedades humanas. É necessário também, refletir sobre a causa e apontar um caminho que melhore a existência humana, mas isso será visto no próximo texto, que já está pronto e será postado em outra ocasião.

Não sou dono da verdade, sou dono de uma ciclópica paixão pela existência humana.

Abraços,

Wagner Winter

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

A ÉTICA EMPRESARIAL E A GUERRA MERCADOLÓGICA


Escrevi os dois artigos anteriores que, a priori, não analisam profundamente nenhum mercado, também não sugerem auto-ajuda, muito menos, parecem tratar de questões relevantes à economia globalizada.

Não pretendo, no dizer Kantiano, transformar os conhecimentos a priori, esboçados nos dois textos citados, em um conhecimento plenamente analítico. Várias são as razões; tempo, tamanho do texto e geração de divergências inúteis à idéia de criar o interesse e desafiar o cérebro dos leitores a um pensar com maior profundidade.

Ética é algo exclusivo dos seres humanos. Ainda não é uma moral, mais um conjunto de valores que o processo cognitivo transforma em moral, ou princípios de conduta, que é um conceito bem mais amplo e menos dogmático. Por óbvio, que as religiões estão enraizadas nesse conjunto de valores éticos e influenciam diretamente o processo cognitivo de qualquer ser humano. Nesse diapasão, podemos de plano, concluir que empresas, por serem pessoas jurídicas ou uma ficção jurídica, não podem possuir valores exclusivos da pessoa humana. Empresas jamais poderão ter éticas ou deixar de ter. Contudo, não se pode falar o mesmo da moral empresarial. A moral está presente por influências externas de cunho social-cultural, religioso e legal. A moralidade das pessoas jurídicas está expressa em seus contratos sociais e são reguladas pelas leis que regem as atividades empresariais, dessa forma, podemos concluir que entes empresariais têm uma moral definida pelos vários legisladores e regulamentada pelos Poderes Públicos competentes.

Desde logo, podemos intuir que as moralidades empresariais são por demais frágeis para resistir aos princípios de conduta fundantes que as regulam. Os próprios processos éticos dos agentes empresariais, dos sócios ou dos acionistas, levando em conta as definições de ética tratadas no primeiro texto, podem opor-se a moralidade empresarial. Nesse contexto, a moralidade religiosa tem papel preponderante de controle social, pois as sanções são por demais pesadas e se resumem na exclusão ou condenação moral dos grupos sociais, incluindo as diversas sociedades empresariais, e a maldição dos deuses. Para algumas religiões tal maldição seria a vida ou a morte no inferno.

A conhecida concentração global de corporações não acontece pela competência empresarial natural ou pela excelência tecnológica de determinada empresa, mas de sua capacidade estratégico-econômica de esmagar concorrentes à exaustão, até que seja aceita a oferta de venda ou aconteça a morte do mesmo. É interessante observar que no liberalismo econômico, pressupondo que seja em um Estado Democrático de Direito, isso acontece em razão do BOM, ética do movimento sazonal. No neo-socialismo, pressupondo, igualmente, um Estado Democrático de Direito, o fenômeno acontece na iniciativa privada e no Estado que tenta disputar o poder econômico com os mercados. Os movimentos estatais e privados se definem pela sazonalidade das circunstâncias econômicas e políticas. Nos Estados totalitários a existência de empresas privadas possui uma precariedade tão grande que inexiste uma moral que não seja definida e imposta pelo governo. Tanto nos Estados comunistas, como nos Estados teocêntricos, prevalece a vontade do governo, que é sazonal, não só por fatores econômicos, mas também, pela sustentabilidade do governo ou do regime totalitário.

Se bem observarmos, a humanidade é moldada e contida pela moralidade dos mercados ou dos estados, tornam-se rebanhos domesticados que não escolhem nem o pasto para se alimentar ou o tempo de permanecer no campo e, tudo isso, validado pelas religiões que são poderosos instrumentos de controle social, pois pregam a submissão existencial e criam esperanças no porvir. No marxismo a religião permanece existindo, independente do ateísmo estatal, mas para muitos a religião é substituída pela submissão militar e pela doutrinação permanente do governo.

As razões para o aprisionamento da essência existencial humana são várias, porém, destacamos os processos educativos que deformam a capacidade cognitiva humana, gerando uma moral consumista e incapaz de viver fora dos limites dos mercados e das religiões, que, como já falamos, consolam a vida dos engaiolados e projetam esperanças de liberdade e felicidade no porvir. Dentro desse cenário, a felicidade é fundada no bom, que pode ser traduzido pelo ter. As lutas pelo dia-a-dia se tornam batalhas medievais, onde vencer é o objetivo para deixar as corporações ou os estados com maior número de gaiolas e de seres engaiolados. Quem tentar quebrar as morais existentes, de certo será destruído ou banido dos mundos corporativos ou estatais.

No caso, os reais valores existenciais não são desprezados, mas destorcidos para motivarem toda sorte de sacrifícios que justifiquem o aprisionamento aos sistemas econômicos, sejam privados ou estatais. Por exemplo, a ausência do convívio familiar e a consequência falta de afeto, para oferecer a oportunidade aos filhos de estudares nos melhores colégios e faculdades do mundo e oferecer à família sete a quinze dias de férias nos mais caros lugares do planeta.

A felicidade é fugaz e a liberdade utopia.

Deixo uma pergunta: Por que as pessoas não se libertam e realizam o que realmente gostam, buscando a felicidade em tudo que fazem e em tudo que são?

Quando era um jovem em idade de trabalho, empreendedor de certo, pensava em ganhar muito dinheiro e parar de trabalhar aos quarenta anos. Descobri minha vocação quando me recusei a ser engaiolado por mercados e religiões, percebi, também, que o universo acadêmico transforma os conhecimentos em commodities, me obrigando a desenvolver o senso crítico e ter princípios hermenêuticos confiáveis. Hoje, a aposentadoria não está nos meus planos. Estou sempre disponível para a vida e para tudo o que me faz feliz.

Ensejando uma vida feliz a todos os meus amigos.

Abraços,
Wagner Winter.

Tempos de Guerra


Como imaginar uma guerra ideológica, entre deuses de todas as religiões? Mas é o que acontece. Vivemos em um mundo dividido entre fundamentalistas radicais, ortodoxos, moderados e liberais, nas religiões que se tornaram o prisma de todo o pensamento civilizatório global.

Dialeticamente se existe o bem, representado pelos deuses, há de existir, também, o mal, representado pelos diabos ou falsos deuses.

E nessa confusão devocional, encontramos como fulcro para tanta violência e opressão, projetos de poder, de domínio, dos quais não conheço nenhum chancelado por qualquer dos deuses apregoados pelas religiões.

O bem já quase não existe. Vivesse a era do bom! O bem é comunitário e se comunica ao infinito, já o bom é momentâneo e favorece a interesses de pequenos grupos sociais.

O bem foi proibido pelos deuses que exigem lealdade de seus adoradores em troca de uma benção subjetiva e sustento enquanto úteis nessa vida. Pastos são para rebanhos e não para humanos! ...eles (os deuses) nos fazem descansar em pastos verdejantes.... A humanidade se descobriu dependente de pastos para alimentar-se. Mas existem aqueles, poucos, é verdade, que se enxergam como humanos e desprezam a tutela das interesseiras religiões.

Somente os humanos podem ser verdadeiramente livres e transbordantes de humanidade e viverem a plenitude das potencialidades que o criador lhes capacitou.
Wagner Winter

ÉTICA EMPRESARIAL. É POSSÍVEL?


Este texto começou quando abri o site do Linkedin e entrei em um dos grupos de que participo, tendo encontrado a seguinte proposta para discussão: O que é Ética? Sabe-se que é "bonito", mas é MESMO importante, do ponto de vista da Empresa Brasileira, na relação B2B, ter um fornecedor Ético? Como mensurar esse ganho? A proposta do tema foi do Oswaldo Ogihara, Diretor Executivo at Ceppe - Centro Paulista de Psicologia e Educação e teve uma repercussão imensa, totalizando 79 comentários.

Pensei em escrever um breve comentário para participar da discussão, mas não consegui e acabei por decidir criar o presente texto, permitindo aos muitos amigos outra forma de reflexão a partir a primeira propositura. Trago na minha história de vida várias experiências que me ajudam a compreender os momentos pelos quais passamos, ou somos obrigados a passar. Participo do frenesi do mercado e estou ligado à Teologia, Filosofia e ao Direito, nessa última área de interesse, conclui meu bacharelado em dezembro de 2011.

É preciso fazer uma modificação na forma usual de entendimento da palavra ética para melhor compreensão das questões levantadas e das que pretendo abordar. A primeira é que ética é um processo cognitivo, portanto, empresas não possuem ética pois são uma abstração jurídica. A ética está presente nos agentes da pessoa jurídica, particularmente e especialmente em seus dirigentes e acionistas. A segunda questão está relacionada aos atos praticados pelos agentes, que, ao se materializarem ou se efetivarem, deixam de pertencer ao plano ético, ou seja, do pensar, do avaliar, da compreensão cognitiva, para adentrar o plano da moral. A exemplo disso, podemos tomar a elaboração de um manual de conduta, que é um processo ético enquanto está em elaboração, tornando-se um código de conduta moral quando de sua validação e aplicação. Pode-se dizer que a ética é um filtro da conduta humana por onde passam todos os questionamentos que determinarão uma ação.

De forma muito resumida abordarei a história da ética no que é fundamental para o momento. Platão foi o primeiro a sistematizar a ética na forma de ciência da conduta, onde o bem representava o desejo existencial humano. Platão definiu duas concepções fundamentais dessa ciência: A) a primeira que a considera como ciência do fim a que a conduta dos homens se deve dirigir e dos meios para atingir tal fim; e deduz tanto o fim quanto os meios da natureza do homem; B) a segunda a que a considera como a ciência do móvel ou da motivação da conduta humana e procura determinar tal móvel com vistas a dirigir ou disciplinar a mesma conduta.

Quando, na filosofia contemporânea, a noção de valor começou a substituir a de bem, a antiga alternativa entre ética do fim e ética da motivação assumiu nova forma. As doutrinas que reconhecem a necessidade do valor, ou seja, sua absolutividade, sua eternidade, etc, têm estreito parentesco com as doutrinas éticas tradicionais do fim, ao passo que as doutrinas que reconhecem a problematicidade do valor são estreitamente aparentadas com as doutrinas éticas da motivação.

A segunda concepção fundamental da ética é a que se configura como uma doutrina do móvel da conduta. A característica dessa concepção é que nela o bem ou o valor não é definido com base na sua realidade ou perfeição, mas só como objeto da vontade humana ou das regras que a dirigem. Assim, enquanto na primeira concepção as normas derivam do ideal que se assume como próprio do homem (a perfeição da vida racional, segundo Aristóteles; o Estado, segundo Hegel; a sociedade fechada ou aberta, segundo Bergson, etc); na segunda concepção procura-se em primeiro lugar determinar o móvel ao homem, ou seja, as normas que ele de fato obedece; portanto, define-se como bem aquilo a que se tende em virtude desse móvel, ou aquilo que se conforma à norma em que ele se exprime.

De acordo com Nicola Abbagnano o princípio da ética de Epicuro tem o mesmo significado de reconhecimento daquilo que, de fato, é o móvel da conduta humana: "Prazer e dor são as duas afeições que se encontram em todo animal, uma favorável e outra contrária, através das quais se julga o que se deve escolher e o que se deve evitar" (DIÓG. L, X, 34). Essa concepção de ética esteve ausente durante toda a Idade Média e só é retomada no Renascimento. Lorenzo Valia foi o primeiro a reapresentá-la em De voluptate, afirmando que o prazer é o único fim da atividade humana e que a virtude consiste em escolher o prazer (De vol, II, 40). Telésio reapresenta a outra alternativa tradicional da mesma concepção (De rer. nat, IX, 2), extraindo as normas da ética do desejo de conservação que existe em cada ser. Com rigor e sistematização, Hobbes via nesse mesmo princípio o fundamento da moral e do direito: "O principal dos bens é a autoconservação. Com efeito, a natureza proveu a que todos desejem o próprio bem, mas para que possam ser capazes disso é necessário que desejem a vida, a saúde e a maior segurança possível dessas coisas para o futuro.

O Liberalismo Inglês está fundado no modelo ético do móvel, do desejo, da autoconservação, da norma da vontade humana, dessa forma a estrutura econômica, social e jurídica predominante no mundo global é o modelo ético fundante do liberalismo. As características básicas são: o individualismo, a competitividade, a produtividade, a autoproteção do que se entende por valor e o imediatismo.

Desta forma, precisa-se conhecer o que os acionistas e dirigentes corporativos entendem por valores e o que esperam do desempenho e resultados das respectivas empresas para que a equipe de trabalho possa se preparar, tanto no planejamento quanto nas ações, cientes que as metas precisam ser atingidas e a produtividade melhorada dia a dia. Essas premissas garantem a empregabilidade, a renda familiar dos trabalhadores e funcionam como motores que impulsionam a economia.

Para quebrar o academicismo, cito uma máxima de Nelson Rodrigues: “― Há homens que, por dinheiro, são capazes até de uma boa ação”.

No mês de dezembro de 2010, as montadoras de automóveis, de forma geral, faturaram a quantidade de carros correspondentes às coberturas de suas cotas contra as concessionárias (informação Valor Econômico), dessa forma, apresentaram o pleno cumprimento de metas aos controladores. É uma estratégia moralmente aceitável, derivada de uma reflexão ética que determinou ser melhor usar do referido expediente a tentar justificar o insucesso.

Como exemplo de outros mercados, o de Telecom possui inúmeras falhas de sistemas de TI, especialmente com a integração dos mesmos. Os custos não justificam os investimentos em prazos razoavelmente longos, tanto que já se passou mais de uma década da privatização e as evoluções, nesse sentido, não são muito relevantes. Que executivo sugeriria parar a captação de clientes e estruturar os sistemas para o perfeito atendimento da demanda atual com reserva tecnológica para um crescimento anual de x%. Levando os consumidores a exaustão, as empresas assinam termos de ajuste conduta com a ANATEL, tendo a anuência do Ministério Público e estabelecendo no orçamento anual os custos judiciais.

O agronegócio está entre os mais complexos nas discussões éticas e morais que extrapolam os mercados tendo inúmeras questões expostas pelas mídias à sociedade em geral em razão dos ambientalistas e dos tratados internacionais que o Brasil aderiu. Recentemente, acompanhamos as notícias do terremoto no Japão e do grande tsunami que causou a maior catástrofe do gênero no país. Cabe uma reflexão: o terremoto é natural, bem como o consequênte tsunami. O que foi criado pelo ser humano foram as indústrias, os variados tipos de comércio, o mercado imobiliário, as usinas nucleares e um enorme conjunto de infra-instrutora.  Se fizermos um filtro filosófico podemos resumir que estranho ao ambiente são os valores sócio-econômicos implementados na região após muita reflexão ética, resolvendo um enorme problema de espaço territorial japonês e tendo funcionado como o esperado durante muitos anos.

É real que as tecnologias que dotaram o ser humano de conhecimento sobre fenômenos naturais são muito recentes se comparadas à civilização japonesa, contudo, a instalação de usinas nucleares dispensa qualquer necessidade de equipamentos especiais para a avaliação de riscos em solo japonês, bastaria o conhecimento empírico para se deduzir que, em algum dia, poderia haver uma intercorrência mais forte da natureza.

A verdade é que ninguém deseja o mal alheio, não existe a intenção de causar tragédias como as que assistimos no Japão e na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro e em Minas Gerais, no Município de Mariana. Não creio que haja uma premeditação, por exemplo, em fabricar um veículo automotor cujo bagageiro decepa o dedo de seus clientes e usuários, ou mesmo, construir um prédio luxuoso que desabe meses depois de concluído e ocupado. De modo geral, os mercados não pensam o mal, em verdade, tal premeditação pode ser vista nos chamados grupos terroristas. Esclareço que não estou fazendo referência a motivações que visem destruir concorrências, ou que mobilizem forças militares para invasão de territórios cujas riquezas naturais sejam de extremo valor. Não! Os mercados não premeditam o mal.

Cabe destacar as diferenças dialéticas entre o bem e o bom. Se os mercados não premeditam o mal, então deveriam premeditar o bem. Só que o bem não está em acordo com a ética dos movimentos, das normas da vontade humana, que é o pilar do liberalismo econômico. Por isso, os mercados só se preocupam com o bom: o bom investimento, o bom resultado, o bom desempenho, o bom salário, ainda que pelo caminho, indigentemente, possam gerar o mal. O bem é piegas, é confundido com caridade, com religião, já o bom é a autoafirmação de todos os valores cartesianamente catalogados como desejáveis.

Encontrei um mestre que foi meu docente no primeiro período do Curso de Direito e ficou feliz ao saber que estava cursando o nono período. Falou-me o seguinte: Tempus Fugit, Carpe Diem. Segundo Rubem Alves, Tempus Fugit quer dizer "o tempo foge". A vida é breve. (http://www.rubemalves.com.br/tempusfugit.htm acessado em 18/03/11) e Carpe Diem quer dizer "colha o dia". Colha o dia como se fosse um fruto maduro que amanhã estará podre. A vida não pode ser economizada para amanhã. Acontece sempre no presente. (http://www.rubemalves.com.br/carpediem.htm acessado em 18/03/11).

Existe um aparente comprometimento, no texto acima, com a ética do movimento, fundante do liberalismo econômico, mas é só aparente, pois a vida, os valores que a compõem e dentre eles os grupos sociais, a economia, os mercados, o planeta, não podem se esgotar em um dia ou em alguns séculos. O tempo é um eterno fugitivo, por isso, a vida deve ser intensa e a intensidade de viver advém de valores benéficos a sua continuidade, pois o dia seguinte está por amadurecer e deverá ser vivido com a mesma intensidade de hoje. O texto fala da ética dos valores, por isso os meios necessitam ter os mesmos valores dos objetivos finais.

Zigmunt Bauman constrói a tese da liquefação dos atuais valores da sociedade global em razão da obscuridade e imprevisibilidade dos riscos ameaçadores da sociedade e dos mercados. Reproduzimos um pequeno trecho de sua entrevista a Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke.

 

Entrevista com Zigmunt Bauman por Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke*

 

Uma das características do que chamo de “modernidade sólida” era que as maiores ameaças para a existência humana eram muito mais óbvias. Os perigos eram reais, palpáveis, e não havia muito mistério sobre o que fazer para neutralizá-los ou, ao menos, aliviá-los. Era óbvio, por exemplo, que alimento, e só alimento, era o remédio para a fome.

Os riscos de hoje são de outra ordem, não se pode sentir ou tocar muitos deles, apesar de estarmos todos expostos, em algum grau, a suas conseqüências. Não podemos, por exemplo, cheirar, ouvir, ver ou tocar as condições climáticas que gradativamente, mas sem trégua, estão se deteriorando. O mesmo acontece com os níveis de radiação e de poluição, a diminuição das matérias-primas e das fontes de energia não renováveis, e os processos de globalização sem controle político ou ético, que solapam as bases de nossa existência e sobrecarregam a vida dos indivíduos com um grau de incerteza e ansiedade sem precedentes.

Diferentemente dos perigos antigos, os riscos que envolvem a condição humana no mundo das dependências globais podem não só deixar de ser notados, mas também deixar de ser minimizados mesmo quando notados. As ações necessárias para exterminar ou limitar os riscos podem ser desviadas das verdadeiras fontes do perigo e canalizadas para alvos errados. Quando a complexidade da situação é descartada, fica fácil apontar para aquilo que está mais à mão como causa das incertezas e das ansiedades modernas.

 

*Professora aposentada da Faculdade de Educação da USP e pesquisadora associada do Center of Latin American Studies, Universidade de Cambridge. É autora, entre outros, de Nísia Floresta, o Carapuceiro e outros ensaios de tradução cultural (Hucitec, 1996) e As muitas faces da história (Unesp, 2000), editado também em inglês, The new history: confessions and conversations (Polity Press, 2002).

 

Não pode haver mudança significativa se a sociedade não quebrar o paradigma ético preponderante. Vivemos em uma sociedade global em que as interdependências se tornam cada vez mais necessárias e vitais. A globalização torna peremptória a ética do movimento em favor da ética dos valores que acolheu ao Período da Renascença e a economia capitalista sem causar vítimas sociais, a despeito dos anos em que foi mantida cativa de sua efetividade, aprisionada, desfigurada para manter a sociedade cativa de valores vorazes e tiranos.

Ser ético não é ser honesto, caridoso, ou bom, ou moralmente irrepreensível. Ser ético é pensar valores que não tragam comprometimento à vida em todos os seus sentidos e que permitam uma justa interdependência mundial. Ser ético é ter uma identidade individual que se faz coletiva pelo conhecimento e ação de sua própria racionalidade sem nunca perder a memória do conhecimento humano. Tempus Fugit, o tempo fugiu para o presente e trouxe consigo tudo o que foi conhecido anteriormente.

Notas: I. As citações filosóficas foram compiladas e trabalhadas a partir do Dicionário de Filosofia por Nicola Abbagnano. II. O texto original foi escrito em março de 2011, revisto e atualizado em dezembro de 1015.
Wagner Winter

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

AFORISMOS POLÍTICOS IV

Políticos sérios sempre são antipáticos. O povo prefere a cortesia dos que lhe bate a carteira. Wagner Winter 2011

AFORISMOS POLÍTICOS III

Os políticos virtuosos sempre estão do lado certo da vida social, é onde batem os holofotes e os espetáculos pirotécnicos são constantes. Wagner Winter 2011

AFORISMOS POLÍTICOS II

O Brasil sempre foi uma nação anônima de virtudes em sua essência política! Wagner Winter 2011

AFORISMOS POLÍTICOS

É importante não esquecer que a corrupção não é um problema de um partido político, mas uma displasia dos valores da sociedade brasileira. Wagner Winter 2011

A DEMOCRACIA ESTÁ NA LEI MAIOR!

A nossa Constituição em seu artigo primeiro, parágrafo único diz: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. No que interrogo, apesar da beleza do princípio democrático, que poder é esse? Perdão; quase esqueci que o poder do povo é o voto e o exercício da cidadania é votar.

Que belo poder! Se não fosse obrigatório poucos o exerceriam. A política anulou a questão da vontade, intenção de fazer ou deixar de fazer. A vontade é prevalente em quase todo o Direito Pátrio, para ser mais claro, a vontade é decisiva no Direito Civil e Penal.

Não questiono a democracia, mas os instrumentos que inibem a livre expressão da vontade popular. O teatro eleitoral, a falta de reformas no viciado sistema político brasileiro, a compra de votos e a substituição dos antigos “coronéis” pelas facções criminosas, em especial, as operadoras do narcotráfico e as milícias.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

A Desconstrução do Racionalismo Kantiano

Talvez seja indagável ou, mesmo, inimaginável a motivação que leva o autor a abordar uma tarefa, aparentemente abantesma no meio acadêmico atual e, em especial, na Área do Direito. Contudo, não é objetivo chegar à tamanha apologia da filosofia clássica que possa desestruturar qualquer kantiano convicto. Não resta, ainda, a menor intenção de colocar no mesmo cesto os racionalistas positivistas das classes produtivas com os representantes das classes ociosas, estes, de duvidosa convicção ideológica. Basta devolver ao racionalismo a dúvida de sua validade como ciência e filosofia para facilitar o enxergar das manipulações positivistas que fazem do Direito uma propriedade privada, uma ciência zabaneira que se presta a locupletação de pecúnia, de poder e de prestígio as classes ociosas deste país.  

Postos os devidos esclarecimentos, inicia-se o diálogo com o filósofo Olavo de Carvalho que para um curso de filosofia produziu uma apostila intitulado: Tratado de Metafísica Dogmática, Rio, Seminário de Filosofia (1996).

Se o primado da dúvida metódica é apenas o primado de um equívoco verbal, então fica sob suspeita, igualmente, o primado kantiano do problema crítico. Pois, se o conhecimento humano deve prestar reverência preliminar ante a consciência de seus limites, por que não deveria também submeter-se à exigência de uma justificação preliminar a pretensão de conhecer esses limites?

A motivação imediata que levou Kant a investigar os limites do conhecimento humano foi o estado de profunda irritação em que o deixaram os relatos de Emmanuel Swedenborg sobre visões do céu e do inferno. Os únicos trechos da obra kantiana onde sentimos que a habitual frieza analítica do autor cede lugar a um tom de sarcasmo e de polêmica apaixonada, são aqueles em que Kant procura rebaixar os depoimentos do místico sueco a alucinações de uma mentalidade doente. O escrito Sonhos de um visionário marca justamente a passagem da fase pré-crítica à maturidade do pensamento kantiano. É manifesto que a filosofia crítica tem menos o objetivo de dar um fundamento ao conhecimento científico do que simplesmente de explicitar os fundamentos dados por pressupostos, ao mesmo tempo que nega qualquer fundamento científico aos conhecimentos de ordem mística e metafísica, reduzindo portanto a religião a um conjunto de mandamentos morais sem qualquer respaldo cognitivo.

Mas o curioso é que o filósofo crítico, tão cioso de não se deixar enganar por pressupostos dogmáticos, dá por pressuposta não somente a validade da ciência física, como também a aptidão da razão para conhecer seus próprios limites. Para além do campo dos juízos a priori e da experiência sensível, estende-se apenas, segundo ele, o domínio do incognoscível: pensável, admite Kant, mas incognoscível. No entanto, como se poderia determinar os limites do cognoscível sem algo conhecer do suposto incognoscível cuja borda externa coincide precisamente com esses limites? Se a razão conhece os limites do sensível e, ao mesmo tempo, estatui os seus próprios limites, como poderia ela determinar, igualmente, os limites do terceiro campo, especificamente diferente, que é o da experiência racionalizada, ou ciência, se, conforme diz o próprio Kant, é só a imaginação que conecta o racional e o sensível? Para ser coerente, Kant deveria ter dito que não há limites para a ciência, exceto os da imaginação. Pois, na medida em que opere balizada pela razão e pela experiência sensível, a imaginação, na perspectiva kantiana, não nos dará somente pensamento, mas conhecimento, de pleno direito. E, se é assim, por que rejeitar dogmaticamente a possibilidade de, partindo do sensível, escalar imaginariamente os graus do supra-sensível? Nada, no kantismo, prova que isto seja impossível ou sequer difícil[1].

 

Destaca Olavo de Carvalho (1996): os limites de uma determinada capacidade só podem ser de duas ordens, ou seja, ou são intrínsecos ou extrínsecos, sendo que os limites intrínsecos podem ser conhecidos por dedução a partir do seu conceito, ao que Kant denominou de conhecimento a priori e analítico. Contudo, Kant não admitia que nenhuma dedução, a priori, pudesse migrar imotivadamente para o domínio dos fatos, exigindo, para tal, a validação do fundamento experimental. “Logo, os limites intrínsecos do conhecimento humano, caso conhecidos, seriam puramente formais e não se aplicariam ao conhecimento de nenhum objeto real e determinado. Seriam, por assim dizer, limites vazios, hipotéticos, que na prática não limitariam nada”.[2] De outra sorte, os limites extrínsecos não poderiam ser, em nenhuma hipótese, necessários e incondicionais, mas acidentais e contingentes, pelo fato só poderem ser determinados indutivamente, a partir dos vários conhecimentos efetivos concernentes às várias espécies de objetos; e pelo fato mesmo de serem extrínsecos.[3]

Procurando determinar a priori os limites reais do conhecimento humano, o que é impossível segundo o próprio kantismo, ou provar por indução de fatos contingentes que esses limites são necessários e incondicionais, a proposta da filosofia crítica é, para dizer o mínimo, uma falácia em toda a linha.

O primeiro e o mais básico dos limites assinalados por Kant é que o campo da experiência está circunscrito pelas duas formas a priori da sensibilidade, o espaço e o tempo. Mas aquilo que está num lugar determinado está também, a fortiori, no infinito supra-espacial; e aquilo que ocorre num instante determinado acontece também, a fortiori, dentro da eternidade — duas necessidades a priori das mais óbvias que, por si, dariam por terra com os famosos limites que a filosofia crítica procurava estabelecer.[4]

 

Olavo de Carvalho possui uma imensa capacidade crítica analítica e, pacientemente, produziu inúmeros trabalhos de desconstrução dogmática em várias áreas do conhecimento humano. Abordou-se no capítulo Prolegômenos da Metafísica o campo de investigação da Teologia e a necessidade do respeito pela transcendência como um conhecimento existente, a priori, mas inexplorável racionalmente, porém, não reputado como inválido em nenhum momento. Olavo de Carvalho trabalha no texto abaixo a defesa do pensamento de Sto. Anselmo que, de forma resumida, o próprio Olavo transcreve: a existência de Deus é auto-evidente por mera análise, de vez que o Ser infinito e necessário não poderia ser privado da existência, sendo toda privação uma limitação, contraditória portanto com a infinitude, e a possibilidade mesma de uma limitação sendo uma contingência, contraditória com a necessidade.[5]

Mais que logicamente certo, o argumento ontológico é auto-evidente. Denomino auto-evidente o juízo que não pode ter uma contraditória unívoca, ou seja, cuja contraditória não é sequer formulável sem o vício redibitório da ambiguidade. Que eu saiba, esta característica dos juízos auto-evidentes não tinha sido ressaltada até agora. No caso, qual a contraditória do juízo "O ser necessário existe necessariamente"? É "O ser necessário inexiste necessariamente" ou "A existência do ser necessário não é necessária"? Impossível decidir. A contraditória do argumento de Sto. Anselmo é informulável. Rejeitar portanto esse argumento é abdicar do senso mesmo da unidade do discurso, é cair na linguagem dupla que terminará por nos levar aonde chegou Kant.

Porém a raiz de todas essas absurdidades está precisamente na fé dogmática que Kant, imitando Descartes, coloca no poder humano de duvidar. Pois como podemos, de fato, duvidar de nossa possibilidade de conhecer o absoluto? Se nada, radicalmente nada sabemos do absoluto, não podemos sequer formular nossa dúvida quanto à possibilidade de conhecê-lo. Daí a necessidade de ter um ponto de apoio no absoluto para formular a dúvida; mas como, ao mesmo tempo, Kant já tomou essa dúvida como um ponto de partida infalível e não pode abdicar dela de maneira alguma, só lhe resta procurar esse ponto de apoio nos limites mesmos do conhecimento, elevados assim a absolutos e incondicionados, por um giro lógico dos mais singulares. Assim, nada podemos saber do absoluto, exceto que ele está "para lá" dos limites do nosso conhecimento, limites estes que, não sendo determinados pelo absoluto (do qual nada sabemos) nem sendo realidades contingentes e revogáveis (de vez que são provados por mera análise, sendo por isto válidos a priori), passam eles mesmos a ser o próprio absoluto! Pois, se o pensamento nada pode deduzir a respeito do que está fora dele, como pode então conhecer os seus "limites", a não ser que estes sejam necessários a priori? Sendo necessários a priori, são incondicionais; mas são também totais, abarcando o conhecimento humano como um todo e não somente em algumas partes e aspectos: e o todo incondicional é evidentemente absoluto. Logo, a prova de que não podemos conhecer o absoluto sustenta-se no conhecimento que temos do absoluto, com o nome mudado para "limites do conhecimento". Se isto não fosse atentar iconoclasticamente contra um ídolo da modernidade, eu diria que o único comentário que merece essa tese da filosofia kantiana é que se trata de coisa pueril.

Do ponto de vista teológico, a entronização dos limites do conhecimento como o novo absoluto em lugar do velho Deus tem uma conseqüência das mais nítidas: o absoluto passa a ser definido como o não-humano, o humano como não-absoluto. Este abismo é, por sua vez, absoluto: Deus é tudo quanto está fora dos limites do humano, humano é tudo o que está fora e aquém do reino divino. Ou seja: a exclusão do humano do reino divino torna-se ela mesma um absoluto. Que Kant pretenda em seguida resgatar à força de razão prática e fé pietista a ligação entre homem e Deus, após ter demonstrado que ela é absolutamente impossível, só mostra que ele não tinha muita consciência do que fazia. Pois, se a exclusão do homem do reino divino é uma necessidade absoluta, nem mesmo a graça de um Deus onipotente poderia revogá-la.

Na verdade, não pode haver limites necessários ao conhecimento humano, sendo a condição humana definida precisamente pela contingência e pela liberdade. Todos os limites ao conhecimento humano têm de ser contingentes, e é precisamente isto o que possibilita, de um lado, as diferenças de capacidade cognitiva entre indivíduos e, de outro, o progresso do conhecimento. A tentativa de fundamentar a priori os limites do conhecimento humano é autocontraditória e absurda na base, reduzindo-se portanto a filosofia crítica a uma pretensão insensata, ao "sonho de um visionário", que imagina poder puxar-se pelos cabelos para fora da água como o Barão de Münchausen e contemplar de dentro os seus próprios limites externos, como aquelas escadas de Escher cujo topo emenda com o primeiro degrau.[6]

 

O Direito brasileiro vive um período de confusão doutrinal e um esvaziamento institucional nunca visto, mesmo nos tempos da ditadura militar. Por ocasião do centenário da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, muitas foram as homenagens ao grande teórico, verdadeiro pai do método positivista do Direito no mundo. Negar a grandeza de Kelsen na história do Direito é impossível, seria o mesmo que negar a grandeza de Adam Smith ou de Karl Marx. Contudo, no dizer dos festivos Ministros do Supremo Tribunal Federal, encontra-se o sarcasmo erístico de quem lidera um exército de juristas bisonhos.

A autobiografia de Hans Kelsen, teórico que formatou a estrutura do controle de constitucionalidade concentrado hoje praticado não só no Brasil, mas em várias cortes constitucionais mundo afora, foi lançada na segunda-feira (15/8). O evento reuniu grandes personalidades do mundo jurídico brasileiro em uma suntuosa sala da Faculdade São Francisco. O ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Tofolli foi o responsável pela introdução da obra. Também estavam presentes o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, o desembargador Paulo Dimas, do Tribunal de Justiça de São Paulo, o advogado Pierpaolo Bottini, colunista da ConJur, os juízes Ricardo Nascimento e Ricardo Rezende, ex e atual presidentes da Ajufesp, o ministro aposentado do Superior Tribunal Militar Flávio Bierrenbach, presidente de honra da Associação de ex-alunos da São Francisco, e Antônio Magalhães Gomes Filho, diretor da Faculdade de Direito da USP.
A autobiografia foi lançada este ano em que se comemora o centenário da famosa teoria pura de Kelsen. Mais de 100 livros foram vendidos durante o evento. Para o vice-presidente da Ajufe na 3ª Região, Ricardo Nascimento, “o Direito brasileiro foi muito influenciado pela obra de Kelsen, e pouco se sabia do homem. Portanto, o livro veio num momento oportuno”.
Durante a sessão, um dos tradutores da autobiografia, Gabriel Nogueira Dias, comentou a morte de Kelsen em 1973 e o fato de seu patrimônio ter sido doado ao instituto que leva seu nome e já tem 40 anos de existência. Lembrou também da atuação do pensador na Carta das Nações Unidas e comentou que a autobiografia estava perdida nos Estados Unidos.
O presidente da Ajufesp, Ricardo Rezende, agradeceu a presença do professor e ex-ministro do Desenvolvimento Celso Lafer, e enalteceu que não havia lugar melhor para abrigar o evento, referindo-se à Faculdade São Francisco como “berço da cultura jurídica”.

Pergunta no ar

O ministro Ricardo Lewandowski contextualizou o papel de Kelsen no cenário jurídico brasileiro. Lembrou que, nos tempos da ditadura, houve um apego muito grande à obra do austríaco, interpretado como positivista. Comentou, ainda, que o país não possuía uma Constituição, e sim uma emenda. E que, durante esse tempo, o Código Civil tinha papel fundamental.
O ministro contou que nesse período surgiram juristas que entenderam que “era preciso abandonar o positivismo erroneamente relacionado à Kelsen” e como reação a esse neo-positivismo, houve uma liberalização da interpretação do Direito. Surgiu, então, o Direito alternativo, extremo oposto ao positivismo. Esse movimento culminou na Constituição da República, que segundo Lewandowski representou “a necessidade de promover mudanças”.
O ministro citou a tendência do STF à pró-atividade, haja visto que a corte brasileira começou a “desbordar das balizas do Direito posto”, sobretudo na decisão em relação à união homoafetiva. Lewandowski terminou seu discurso deixando uma pergunta no ar: "não seria o momento de uma releitura de Kelsen?"

De Kelsen a Renato Russo

O ministro Dias Tofolli, entusiasta da obra da qual foi responsável pelas páginas introdutórias, começou seu discurso lembrando, com afeto, seus tempos de São Francisco e de quando ainda era estudante. Tal lembrança acabou na leitura de um trecho “pitoresco” da autobiografia de Kelsen, justamente onde o austríaco se mostra um aluno de Direito entediado com as aulas e questionador da capacidade intelectual de seus professores. Para Tofolli, isso revela que Kelsen não era uma “figura hermética”, ao contrário do que a maioria pensa.
Tofolli comentou texto publicado pelo jornal Folha de S.Paulo sobre o pensador, que afirma que ler Kelsen é aprender sobre o Brasil. Para o ministro, o texto suscita a pergunta: qual o ditame que une o país? A resposta é a Constituição. Ele citou também o interesse do teórico por mitologia e a possibilidade da “Constituição ser a substituição do mito”.
O ministro fechou o discurso comentando que, em seus tempos de estudante, ouvia-se muito Legião Urbana nas arcadas da São Franscico, e uma das frases de Renato Russo, na visão do ministro, define bem o essência do filósofo. “Disciplina é liberdade”. Para Tofolli, por meio do método de Kelsen “podemos nos libertar das idiossincrasias, preconceitos e de nós mesmos”. [7]

 

Disciplina é liberdade (música Há Tempos – Legião Urbana): Transcrevemos o texto postado por Maurício Gieseler no sítio Blog Exame de Ordem.

 

Lembro-me que li uma vez uma matéria falando do Renato Russo, e nela havia um comentário dele sobre a impressão que aquela frase causou em algumas pessoas, que o criticaram exatamente por afirmar que disciplina era liberdade. O Renato Russo retrucou que era óbvio que ele se referia a autodisciplina, e não a uma ideia de uma disciplina em um país recém saído do período da ditadura militar.[8]

 

Pode-se agregar que o mesmo letrista e intérprete expressava anseios e dúvidas de um país em transição e que suas preocupações merecem ser citadas e analisadas pela posteridade, no âmbito dos estudos de Memória, Sociologia, Ciência Política e História Cultural. Ele escreveu Que País é esse? A música foi uma resposta à frase dita por Francelino Pereira, Presidente da Aliança Renovadora Nacional - Arena, o partido situacionista do regime militar brasileiro, proferida em critica à descrença do povo quanto ao retorno do Regime Democrático, em 1976.[9]

Nas favelas, no Senado

Sujeira pra todo lado

Ninguém respeita a Constituição

Mas todos acreditam no futuro da nação

Que país é esse?

No Amazonas, no Araguaia iá, iá,

Na Baixada Fluminense

Mato Grosso, Minas Gerais e no

Nordeste tudo em paz

Na morte o meu descanso, mas o

Sangue anda solto

Manchando os papéis e documentos fiéis

Ao descanso do patrão

Que país é esse?

Terceiro mundo, se foi

Piada no exterior

Mas o Brasil vai ficar rico

Vamos faturar um milhão

Quando vendermos todas as almas

Dos nossos índios num leilão

Que país é esse?[10]

(foram suprimidas algumas frases repetidas do refrão)

 

A linguagem corrosiva do autor espelhava o ambiente do final dos anos 70, quando um regime antigo estava a morrer, mas o novo ainda não tinha começado e precisava ser preparado, cabendo grande responsabilidade aos juristas. Nada supera a tentativa de mitificação da Constituição Federal. Não bastasse o ululante evento no berçário da cultura jurídica, em uma semana novo evento é realizado, desta vez, no próprio Supremo Tribunal Federal.

Organizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, juntamente com seu assessor Otavio Luiz Rodrigues Junior, a obra “Autobiografia de Hans Kelsen” foi lançada hoje na Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal, do STF, em Brasília. O livro, publicado pela Editora Forense, celebra o centenário da "Teoria Pura do Direito", de Kelsen, bastante conhecida no meio jurídico.

O presidente da Corte, ministro Cezar Peluso, abriu o evento ressaltando a importância de Hans Kelsen, que “influiu profundamente na história e no pensamento jurídico ocidental” com a obra que criou a Teoria Pura do Direito.[11]

 

Para ter-se um dado estatístico, ainda que precário e muito reduzido, vale o registro de parte do artigo: Constituição de 1988: longa, incompleta, boa e atual, por Robson Pereira (2011).

A Constituição dos Estados Unidos recebeu 27 emendas em 224 anos de existência, a última delas em 1992, quando ficou decidido que aumento de salários para congressistas só valem para a legislatura seguinte. A do Brasil foi promulgada em 1988 e já recebeu 67 emendas constitucionais – uma a cada quatro meses, em média, sem contar as seis emendas constitucionais de revisão. A primeira alteração na Constituição Brasileira foi feita em 1992 e seguiu o exemplo dos EUA para os salários de deputados estaduais e vereadores. A mais recente, a de 67, foi publicada em dezembro do ano passado e prorrogou, por tempo indeterminado, o prazo de vigência do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.

Mas a comparação entre as constituições do Brasil e dos Estados Unidos param por aí. Ou, pelo menos, não podem ser consideradas sob o ponto do tamanho ou das alterações no texto, uma vez que o próprio conceito de mudança não é absoluto. Não são raros os constitucionalistas brasileiros que defendem a tese de que a grande maioria das emendas tem origem na não-regulamentação de inúmeros dispositivos previstos no texto original e pouca correlação com a essência em si.

Um levantamento do próprio Congresso Nacional mostra que entre os 366 pontos sujeitos a regulamentação exatos 127 permanecem tal como foram incluídos no texto original em 1988. Por analogia, alegam alguns juristas, a Constituição seria “melhor” se todos os seus dispositivos tivessem sido regulamentados, o que praticamente triplicaria o número de emendas constitucionais, em um raciocínio puramente aritmético.

O constitucionalista Alexandre de Medeiros alia-se com aqueles que entendem que a Constituição do Brasil, ainda que não perfeita, é boa, atual “e não deve nada para as de outros países”. É boa, segundo ele, por ter permitido e contribuído para o fortalecimento de instituições como o Congresso, o Judiciário e o Ministério Público, o que garante uma maior efetividade dos direitos fundamentais. E atual, não porque tenha sido esse o objetivo dos constituintes nos 20 meses de trabalho consumidos até se chegar ao texto final, mas pelo fato de ser “genérica”, o que possibilita discussões sobre temas modernos, como pesquisas com células-tronco embrionárias e aborto de feto anencéfalo, entre outros.[12]

Olavo de Carvalho escreveu um parágrafo que encerra este subtema com a exata ideia que se desejava transmitir.

Mais ingênua, portanto, do que a confiança dogmática do racionalismo clássico no poder cognoscitivo da razão, mais visionária que a pretensão dos místicos a um conhecimento experimental de Deus, é a confiança no poder humano de por em dúvida aqueles princípios que fundam a possibilidade mesma da dúvida. Mais ingênuo que qualquer dogmatismo é o princípio mesmo da filosofia crítica, que pretende estatuir dedutivamente limites contingentes e indutivamente limites necessários. Mais ingênuos do que nossos antepassados, que acreditavam na revelação e na razão, somos nós, que acreditamos em Descartes e em Kant, supondo que a negatividade do seu ponto de partida seja prova de modéstia metodológica, quando ela oculta, na verdade, a mais sobre-humana das pretensões: a pretensão de estabelecer limites absolutos ao conhecimento humano. Pretensão superior à do próprio Deus, que não cercou de grades o fruto proibido, mas o deixou ao alcance da curiosidade de Eva.[13]




[1] Olavo de Carvalho. Kant e o Primado do Problema Crítico - Tratado de Metafísica Dogmática, Rio, Seminário de Filosofia, 1996 (apostila). http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/kant.htm acessado em 10/10/2011
[2] Op. cit.
[3] Op. cit.
[4] Op. cit.
[5] Op. cit.
[6] Olavo de Carvalho. Kant e o Primado do Problema Crítico - Tratado de Metafísica Dogmática, Rio, Seminário de Filosofia, 1996 (apostila). http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/kant.htm acessado em 10/10/2011
[7] Lançamento de obra sobre Kelsen reúne personalidades - Por Camila Ribeiro de Mendonça. Revista Consultor Jurídico, 16 de agosto de 2011. http://www.conjur.com.br/2011-ago-16/lancamento-autobiografia-kelsen-reune-personalidades-direito acessado em 17/08/2011.
[8] Blog Exame de Ordem – Maurício Gieseler
[9] O Brasil em frases (publicadas em VEJA e na imprensa em geral) http://veja.abril.com.br/especiais/veja_40anos/p_092.html acessado em 15/10/2011.
[11]Autobiografia do jurista Hans Kelsen é lançada no STF - Notícias STF - Quarta-feira, 24 de agosto de 2011. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=187248&tip=UN acessado em 25 de agosto de 2011
[12] Constituição de 1988: longa, incompleta, boa e atual - Por Robson Pereira
[13] Olavo de Carvalho. Kant e o Primado do Problema Crítico - Tratado de Metafísica Dogmática, Rio, Seminário de Filosofia, 1996 (apostila). http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/kant.htm acessado em 10/10/2011